segunda-feira, 16 de abril de 2012

sustentabilidade ou fundamentalismo?

Na semana passada foi publicado em Diário da República o diploma que legisla o congelamento das reformas antecipadas, com efeito imediato.
Da parte do governo, foi apresentado o argumento da necessidade de preservar a sustentabilidade (de curto prazo?) da Segurançal Social, estancando de imediato a corrida àquela modalidade de aposentação, o que terá sido interpretado pelo Presidente da República como sendo de "interesse nacional".

A meu ver, e uma vez que a escala da poupança estimada no imediato para 2012 e 2013 não chega à centena de milhões de euros por ano, fica no ar a ideia de que se trata essencialmente de mais uma medida de austeridade. Se não for pelo corte no direito à reforma antecipada (nos termos devidamente previstos na lei), é-o fundamentalmente por procurar uma redução da despesa orçamental em 2012 e 2013, logo no âmbito do cumprimento dos objectivos fixados pela troika.

E aqui chegamos a uma contradição de base: por um lado, toda a envolvente do memorando assinado com a troika passa pela ideia de que são necessárias reformas (estruturais) que permitam ter uma economia mais competitiva e um estado menos oneroso e pesado, com um nível orçamental auto-sustentado crónico, incluindo a Segurança Social.
Mas esta medida (avulsa e fora do âmbito da troika) parece meramente economicista e para o curto prazo, e não acresecenta qualquer sustentabilidade financeira.
Passo a explicar.
Consideremos o exemplo de uma pessoa que pretendesse beneficiar da antecipação de reforma a partir de Julho de 2012. Ao impedir essa antecipação, o estado pensa poupar até 7 pensões em 2012, mais 14 pensões em 2013. Acrescendo as contribuições que continua a receber em sede de retenção de TSU (11% + 23,75%) equivalente a cerca de 7 meses, podemos estimar uma poupança total de cerca de 28 meses de pensões, com impacto na redução do gasto orçamental com Segurança Social nas contas do défices troikistas de 2012 e 2013.
No entanto a reforma antecipada encerra sempre uma penalização definitiva. Se considerarmos, por exemplo, uma penalização de 10%, a poupança orçamental é equiparada apenas a 25 pensões.

No contraditório, devemos comparar essa poupança com o impacto que teria no longo prazo a redução de 10% numa pensão antecipada (que deixa de se vai verificar por ora). Estimando um período de 19 anos de eventual futuro benefício da pensão de reforma (na média da esperança média de vida após os 65 anos) x 14 mensalidades por ano, para um total de 266 mensalidades a pagar sobre as quais poderia incidir uma penalização definitiva de 10%. Se aplicada, essa penalização equivaleria a uma poupança superior a 26 pensões mensais, o que desde logo 'anula' o efeito de curto prazo de 25 mensalidades referido acima. E essa perda de poupança será tanto maior em resultado de um aumento da esperança média de vida do pensionista.

E a isso acresce ainda outro factor particularmente relevante no actual panorama do mercado de trabalho: é que a cada aposentação antecipada poderia corresponder uma oportunidade de emprego para outro indivíduo. E nesse caso, multiplicam-se os benefícios financeiros, económicos e sociais que o governo desperdiça com este diploma.
Desde logo a nível financeiro pois a substituição de um recém-aposentado por outro contribuinte assegura desde a continuidade das contribuições de TSU, e o real efeito de poupança de curto prazo do estado seria reduzido a 19 mensalidades (vs. 26 pensões mensais com penalização).
E acrescendo o benefício financeiro pelo facto de deixar de ser necessário o pagamento da prestação de subsídio de desemprego em muitas dessas situações.
Curiosamente, o inverso a este cenário poderia traduzir-se num benefício económico, pois mesmo sem substituir trabalhadores, tem sido inclusive opção recorrente de muitas empresas proceder a esforços de reestruturação e consequente redução de custos através de acordos de rescisão por reforma antecipada. Em tempo de crise, esse era um mecanismo vital para muitas empresas.

Finalmente, não deve ser menosprezado o benefício social, inerente quer ao direito a assumir o estatuto de aposentado por parte de quem contribui devidamente para a sociedade, quer pelo enquadramento social para eventuais recém-empregados (inclusive na sua esfera familiar).

Por tudo isto, o meu contraditório: esta medida não traz sustentabilidade, mas reflecte isso sim um fundamentalismo orçamental para o imediato.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

em democracia o contraditório é um dever

Sou um cidadão.
Tenho opinião, mas normalmente guardo para mim.
Por vezes partilho, em pequenas mas divertidas tertúlias com amigos de longa data. Nessas ocasiões, há sempre um ou outro ponto de vista divergente, o que só por si já faz valer a pena o encontro, misturando bitaites com gargalhadas, pontuando um comentário mais aceso com uma laracha oportuna.

Não me interpretem mal. Nem tudo é piada, tal como nem tudo pode ser sério e inflexível.
Ter opinião e fazer valê-la passa essencialmente por escutar a opinião dos outros. E isso implica sermos consumidores de opinião: falada, escrita, percebida.

Sou por isso um consumidor (àvido) de opinião, e quase sem dar por isso estou a processar informação e a formar a minha própria opinião. O facto de sermos dotados de capacidade de raciocínio permite-nos ouvir e interpretar, sem sermos obrigatoriamente "contaminados" pela opinião dos outros, nem criarmos anti-corpos contra tudo o que à primeira vista parece contrário ao nosso pensamento.
Pelo contrário.

A diferença é enriquecedora. Mesmo não concordando com uma opinião divergente, esta terá pelo menos a virtude de enriquecer o nosso argumento, e assim alimentar o contraditório.
Em democracia temos o direito à opinião. Mas para que essa mesma democracia possa evoluir, devemos sempre que possível exercer o dever do contraditório.